setembro 15, 2023

Mindfulness e Felicidade

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Na tradição budista, todos os seres buscam ser felizes e não sofrer e isto é algo que todos podemos nos relacionar, pois, isto é parte da natureza humana. Baseados em pesquisas recentes, percebemos que apesar do aumento da riqueza global, a felicidade está diminuindo, embora não de forma uniforme entre os países. Neste post, abordamos como a prática de mindfulness pode mudar nossa perspectiva dualista entre felicidade/bom e sofrimento/ruim.

Perceber a felicidade como ondas no mar

Como uma sociedade global moderna, temos a tendência definir e categorizar fenômenos. Um problema com essa categorização é que ela invariavelmente leva a uma visão restritiva, pois se decidirmos que algo é “isso”, nos tornando menos receptivos à ideia de que ele também pode se tornar “aquilo”. É vantajoso permanecer aberto à ideia de que um algo seja “isso” e “aquilo”. Experimentar ver um determinado acontecimento em sua totalidade, permite entender que quaisquer que sejam as construções físicas, psicológicas ou espirituais manifestadas à nossa percepção, elas são uma expressão de um todo muito maior.
Uma boa maneira de pensar em como os fenômenos existem é como as ondas no mar. Elas podem assumir muitas formas e tamanhos diferentes. Pequenas, grandes, ondulantes, aquelas que quebram, outras que diminuem antes de emergir. Ondas que batem com suavidade na costa e ondas que engolfam a terra com uma força tremenda. Mas, é claro, cada onda é apenas uma expressão superficial do oceano maior do qual ela faz parte. Além disso, a onda existe apenas por um breve período, o que significa que em um momento ela pode estar ganhando impulso e no momento seguinte ela já começou a se dissipar no oceano.
A felicidade também é assim, pois é apenas uma expressão de um oceano mais amplo de energia emocional que existe dentro de cada um de nós. É claro que existem muitas definições, cada uma enfatizando diferentes atributos ou condições para que a ela surja. Por exemplo, pode estar ligada ao bem-estar, a um senso de significado na vida e ao contentamento ou como um estado, um traço e uma agregação de reações emocionais ao longo do tempo. É possível distinguir entre a felicidade hedônica, relacionada com realizações, aquisição de recursos e afeto positivo elevado, e a felicidade eudemônica, ligada a um senso de significado e à sensação de que contribuímos para a vida.
Se entendermos a felicidade como uma emoção, então não é diferente de da tristeza ou de qualquer outro estado emocional, como alegria, medo, preocupação ou excitação. A felicidade e o sofrimento, independentemente da definição que escolhermos, refletem lados diferentes da mesma moeda — ambos são da textura da consciência e são gerados pela mesma mente e pelo mesmo cérebro. Mudando o padrão de disparo neuronal no cérebro, você mudará o estado mental e, portanto, a emoção.
Quando criamos uma noção de felicidade, tendemos a monitorar se a estamos experimentando e depois nos esforçamos para cultivar os estados cerebrais associados. Mas, como todas as coisas estão em fluxo, é impossível fazer isso o tempo todo, o que significa que acabamos sofrendo e recomeçamos a trilha de tentar recapturar e recriar este estado positivo. Podemos nos tornar autocríticos se não conseguirmos criar felicidade ou se acharmos que há algo errado conosco ou com a vida que estamos vivendo. Quando esses esquemas autocríticos se tornam dominantes na mente, as pessoas podem até ficar com medo de serem felizes.
Enquanto nos relacionarmos com a felicidade como uma meta, pensando em termos de felicidade e tristeza, permaneceremos em uma montanha-russa. Alternamos dor e sofrimento com períodos em que nos sentimos felizes ou relativamente menos tristes.

Viver sem apego

Para cultivar a nossa felicidade, temos a possibilidade de viver de forma que vida não nos “marque”, distorcendo nossa clareza de consciência. Claro que nossos corpos e mentes vão mudar, ao reagir às nossas interações na vida, mas podemos cultivar uma visão correta que não seja marcada pelo apego. A maneira de fazer isso é saborear plenamente, desfrutar e aprender com cada momento de nossa vida, mas sem nos apegarmos a nada do que experimentamos. Podemos viver com plena presença da mente e do coração e, ao mesmo tempo, permanecer não apegado aos acontecimentos e sentimentos.
Devido ao modo como nossas mentes evoluíram e funcionam, as pessoas acham difícil permitir que o momento presente se desenvolva sem se apegar a ele, inclusive sem se apegar a si mesmas. As coisas estão mudando o tempo todo, e os fenômenos — como as ondas do mar — existem apenas por um curto espaço de tempo. Somos biologicamente evoluídos para querer atribuir propriedades de permanência, concretude e definição a eles. Sentimos a necessidade de estar no controle de algo que é incontrolável.
De fato, é essa propensão ao apego que impulsiona a montanha-russa de felicidade e sofrimento mencionada acima. Experimentamos uma forma de felicidade enquanto continuamos a nos convencer de que conseguimos controlar e concretizar uma determinada situação. No entanto, assim que a situação atinge seu inevitável prazo de validade e se desintegra ao nosso redor, o sofrimento invariavelmente retorna.

Cultivar uma mente observadora

Como sair dessa montanha-russa de felicidade e sofrimento? Não precisamos e, de fato, não podemos sair dela. Mas o que podemos fazer é dar um grande passo para trás e começar a observar a oscilação interminável de experiências felizes e tristes que parecem definir nossa existência. Em outras palavras, permanecemos na montanha-russa, mas permitimos que uma parte de nossa consciência assuma o papel de um observador atento sentado em uma varanda.
Se algo acontece que dá origem à felicidade ou a outros sentimentos positivos, paramos, respiramos, ficamos em silêncio na varanda e observamos a experiência da felicidade à medida que ela se desenrola dentro de nós e ao nosso redor. E, se algo acontece que gera tristeza ou outros sentimentos negativos, fazemos o mesmo — respiramos, sentamo-nos em silêncio e observamos da sacada, e deixamos a experiência se desenvolver enquanto participamos dela. Nós nos relacionamos com a felicidade e tristeza da mesma forma que nos relacionamos com qualquer situação que os tenha provocado. Cada um desses sentimentos ou eventos faz parte do conjunto e da sucessão de ocorrências que percebemos sentados na varanda.
Há ocasiões em que essa prática pode parecer difícil, pois as emoções são estados cerebrais muito poderosos, projetados pela evolução para assumir o controle de nós. Uma prática útil para estabilização é pensar por um tempo em uma situação quando estávamos felizes e, em seguida, fazer o mesmo com um momento em que estávamos tristes. Em cada caso, aprendemos a perceber que, embora esses dois estados pareçam diferentes e nos afetem de maneiras muito diferentes, eles se manifestam a partir do mesmo corpo e cérebro. Ao praticar isso, aumentamos gradualmente nossa capacidade de nos distanciarmos de qualquer emoção que possa estar surgindo e permitimos que elas venham e vão sem nos apegarmos a elas.
Um ponto a ser lembrado com a prática do observador atento é a necessidade de perseverar e ser consistente. Algumas pessoas são boas em fazer isto quando as coisas vão bem, mas se esquecem quando enfrentam adversidades. Por outro lado, algumas pessoas só se lembram de praticar quando as coisas não estão indo bem. Mas é somente observando com atenção, dia após dia, que a prática começa a manifestar efeitos benéficos.
Ao observarmos a montanha-russa de maneira consistente, começamos a entender que, se ela sobe, logo descerá e, se desce, logo voltará a subir. Como os altos levam aos baixos e os baixos aos altos, o observador atento gradualmente se torna menos perturbado por essas ondulações e começa a se relacionar com elas de maneira equânime.
Ao nos conscientizarmos da verdadeira natureza da felicidade e do sofrimento, começamos a mudar nosso relacionamento com eles. À medida que a mente observadora fica mais acostumada a ver a montanha-russa da experiência dessa maneira, as inclinações e quedas se tornam menos íngremes e frequentes. A montanha-russa se equilibra gradualmente até que a viagem se torne suave e fluida.

Além da aceitação e da rejeição

A felicidade e o sofrimento decorrem de mudanças nos estados cerebrais desencadeadas por eventos internos ou externos. Podemos ser governados por elas ou podemos aprender que temos outra possibilidade, que é a de “nos afastarmos” e nos tornarmos observadores atentos desses estados mutáveis. Estamos cientes de observar as texturas mutáveis da emoção, mas sem nos deixarmos perturbar pelo que estamos observando. A compreensão experimental disso acontece quando aprendemos a nos lembrar e a mudar para um modo de mente observadora, sem deixar de participar plenamente da vida.
À medida que nossa prática de mindfulness progride, embora possa parecer que a montanha-russa da felicidade e do sofrimento tenha se endireitado, acontece que ela era plana e suave desde o início. Sem exceção, as ondulações emocionais se devem às nossas próprias percepções e por nosso apego e tentativa de controlar as situações. Aprendemos a não lutar com nossa mente para afastar ou agarrar, ou tentar manter o status quo.
Isso não significa que estamos sem rumo, apáticos ou que à deriva, sem reação. Pelo contrário, tomamos consciência das fontes de sofrimento das pessoas e fazemos todo o esforço para ajudá-las a se tornarem conscientes, em vez de serem governadas e atormentadas pelas mudanças nos estados da química cerebral. De fato, uma mente atenta que não está se apegando à sua própria felicidade naturalmente se move em direção ao trabalho para o benefício dos outros.
Esse é um modo de ser que aceita de forma plena, desfruta e trabalha com o que quer que esteja acontecendo, independentemente de tais circunstâncias serem consideradas favoráveis ou difíceis. O que quer que aconteça, seja “bom” ou “ruim”, torna-se uma fonte de nutrição que alimenta e promove nossa consciência e sabedoria.
Entretanto, deve-se observar que isso não significa que somos imunes ao surgimento da dor ou do luto quando perdemos algo ou alguém querido, ou que não sentimos alegria quando algo bonito acontece. De fato, essas emoções são sentidas em toda a sua complexidade, crueza e intensidade. Ancorados em nossa prática, entenderemos que essas emoções e as pessoas ou cenários com os quais elas se relacionam surgem e se desdobram em nossa consciência e não têm uma base permanente ou intrinsecamente existente para sua existência.
Considerações finais
A prática de mindfulness pretende tornar consciente a ilusão da dança da felicidade e do sofrimento, oferecendo diferentes maneiras de surfar as ondas de sucesso e tragédia ou ganhar e perder. Embora você esteja lendo estas palavras em um papel ou em um monitor digital, como todas as coisas, elas são uma expressão de um todo muito maior. Desejamos que estas palavras possam tocar o seu coração e o inspirem ter um novo relacionamento com o sofrimento e a felicidade. Que você possa abraçar igualmente as adversidades e os triunfos de sua vida com admiração, humildade e quietude imperturbável.

 

Traduzido e adaptado livremente de Mindfulness of Happiness. William Van Gordon · Edo Shonin · Paul Gilbert · Javier Garcia‑Campayo5 · Luis Gallardo

 

 

 

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